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Entrevista

Rosane Fernández

Professora de Espanhol e diretora-geral do Campus Campo Grande
por Paulo Gomes publicado: 17/05/2017 10h31 última modificação: 23/05/2017 09h30

A primeira diretora-geral eleita do Campus Campo Grande do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS) tem o desafio diário de conciliar cerca de 12 horas de trabalho com a educação das filhas. E tem dado certo! Querida no campus, Rosane Fernández ganhou até homenagem de estudantes nas redes sociais.

Uma das missões da diretora-geral, atualmente, é administrar a ansiedade da comunidade interna por sair da sede provisória e mudar-se para o campus definitivo. A previsão é que as atividades de ensino no novo prédio tenham início no segundo semestre deste ano.

Nessa entrevista, Rosane fala sobre a infância difícil com a perda precoce do pai, a batalha da mãe para sustentar uma família com quatro filhos, e as dificuldades de conciliar maternidade e trabalho.

Emocione-se e divirta-se com a entrevistada deste mês no Perfil do Servidor!

Quais experiências marcantes da sua infância te ajudaram a construir a pessoa que você é hoje?

Minha infância foi bastante difícil. Perdi meu pai muito cedo. Minha mãe era professora, viúva, com quatro filhos para criar. Mas, foi também uma infância muito divertida. Quatro crianças, uma escadinha. A gente morava em Dourados, em um bairro que tinha uma praça. Era divertido o fato de poder brincar na rua. Bem "molecona", eu gostava de brincar de futebol, fazer guerrinhas de qualquer coisa que aparecesse, brincava de rolimã, andava de bicicleta. Foi uma infância bem livre, bem gostosa. O que me marcou muito foi essa proximidade com meus irmãos e a liberdade de brincar na rua. As dificuldades que nós passamos também, não tem como esquecer. Lembro que minha mãe, como professora, tinha uns períodos de falta de pagamento e ela dava um jeito de não faltar o alimento em casa, de manter a ordem de tudo com aquele salário de professora e a pensão do meu pai. Sinceramente, não sei como ela conseguia manter uma família de cinco pessoas com o salário dela.

É verdade que você já fez de tudo nessa vida, até carpiu terreno?

[Risos] De vez em quando ainda faço isso. Minha mãe nunca pediu para ninguém trabalhar, mas nós pensávamos que poderíamos ajudá-la. A gente via a dificuldade que tinha na casa. Eu gostava de ajudar minha mãe e de poder ter alguma coisa. Um tênis, por exemplo, ou em um aniversário, comprar uma pizza. Isso foi fazendo a gente pensar: como fazer para ajudar? Comecei a trabalhar numa padaria, minha mãe autorizou. Foi legal, a gente aprendeu muito. O carpir terreno, eu me lembrei de um fato interessante. Minha mãe, para não perder os filhos para as drogas ou para uma gangue, juntava a gente no Fusquinha dela e ia para uma chácara, perto de casa. Ela preferia criar a gente na enxada. Limpávamos o terreno, depois sentávamos embaixo de uma mangueira e comíamos pão com mortadela e tubaína. A gente sabia que ia ter esse lanche, simples, mas com sabor de conquista. Lembro das brincadeiras, de fazer a manga virar boizinho. Ainda trago essa vontade de carpir de vez em quando. Gosto de mexer com a terra, da agricultura. Me lembra da vida da minha mãe. Ela foi roceira, nordestina. Ela e os pais passaram bastante aperto.

Como o exemplo da sua mãe moldou você para a vida?

Minha mãe é mulher de pouquíssimas palavras. Não é de falar, criticar ou elogiar. É muito calada. Lembro um pouquinho ela. Também me acho muito objetiva. Ela nos motivou com os exemplos dela. Ela tinha catarata e fazia um esforço para dirigir aquele Fusca, enxergando mal. Passou muita dificuldade sozinha, com os quatro filhos. Para educar, para vestir, para o alimento. Depois crescemos e vieram as dificuldades de adolescente. Acho que a gente deu bastante trabalho para minha mãe. Ela abriu mão de tudo dela para poder nos atender. Não casou de novo, nunca apareceu com namorado. Tudo que ela fez foi sempre para proteção dos filhos, cuidado dos filhos, desenvolvimento dos filhos. Foi uma guerreirona. Não tem como não admirá-la. Ela conta que atravessava quadras de mato, de lugar sem população, na chuva, frio, calor. Sempre andava muito para estudar. Não lembro com que idade ela começou a estudar, mas foi adolescente. Não esqueço nunca tudo que ela já fez pela família, pelos filhos, por mim. Se hoje eu consegui chegar até aqui, com certeza foi todo o apoio que ela me deu, a orientação.

Quando você decidiu ser mãe?

Não sei quando eu decidi ser mãe. Eu e meu marido pensávamos em ter filho quando tínhamos quatro anos de casado. Eu estava na Polícia Militar. Estava carpindo o meu quintal [risos], onde eu gostava de plantar cana, e estava na época de teste de aptidão física fazendo um curso de sargento. Era um período de muita atividade física, tanto no carpir da casa quanto no teste. Aí, descobri que estava esperando a Andreza e ela chegou meio inesperadamente para coroar o curso. A Luíza veio depois, com os pedidos da irmãzinha. Eu pensava que tinha que dar uma companhia para minha filha. São minhas bebês. Foi planejado, mas não vieram exatamente quando eu imaginava que seria. É uma experiência muito gratificante ser mãe. A gente se doa quase que 100% quando tem filho. É uma doação gigante. É gratificante ver que a gente está criando uma sementinha boa para o mundo. Nossa sociedade está num momento nebuloso. Penso que é preciso ter mais uns pontinhos de luz. A esperança da gente é que eles também sejam luz.

E ser professora, quando você tomou a decisão de seguir essa carreira?

Era algo que eu já buscava, não sei se pelo exemplo da minha mãe. Meu pai também foi professor antes de ser advogado. Então, acho que eu já trazia esse anseio. Quando minha mãe dava aula nas escolas do Estado, eu ia com ela. Gostava de a ver lecionando. Eu já estava na PM e, nesses cursos preparatórios para soldado, cabo, sargento, oficial, eu tinha vontade de lecionar. Eu não tinha essa abertura por ser soldado inicialmente, pois quem pode lecionar são os oficiais. É uma questão hierárquica. Então, comecei a procurar alguns concursos e vi esse concurso do Instituto Federal aberto. Aliás, quem viu foi meu esposo. Ele chegou com o boleto da inscrição pago.

Eu tinha feito o curso de Letras porque gostava da área. Não imaginava que seria professora. Prestei o concurso e não imaginei que fosse passar, pois não tinha pós-graduação, não tinha titulação que me garantisse uma boa colocação. Mas, estudei tudo que podia. Minha filha caçula tinha sete meses, eu conseguia estudar meia hora por dia só. Fui bem nas questões e na prova de desempenho didático, não sei como, pois nunca tinha lecionado. Para minha surpresa, fiquei em 2º lugar. Assumi e me encantei com o que é ser professora, com o IFMS, com a Educação Profissional e Tecnológica. E os alunos me dão a certeza de que escolhi certo. Me fizeram surpresas no aniversário e até colocaram um vídeo no Youtube para mim. Eles diziam que eu os inspirava. Isso me deixou muito feliz. E eu adoro ensinar.

Qual sua receita para conciliar a rotina profissional com a vida de mãe?

Olha, é complicado. Em um cargo de direção, a gente precisa estar muito focado e trabalhar até 12 horas por dia. Chega em casa ainda com um monte de coisas no pensamento, e precisa desligar. Aí tem os filhos para buscar, tarefa para fazer. Então, tem que conseguir tempo. No meu caso, quando não é sábado letivo, eu paro e tento ser mãe e filha plenamente, pois tenho minha mãe que depende de mim. O sábado e o domingo, principalmente, são os dias que tenho para mais doação nesse sentido. Falo para a equipe: "a gente não é um ser desfragmentado". Não dá para ir para o trabalho e esquecer que tem filho. Mas, precisa se concentrar, ter foco no trabalho quando está no trabalho, e ter foco em casa quando está em casa. Não tem segredo. Cada pessoa vai desenvolver sua maneira de dar atenção a cada um.

Você fez uma viagem ao México para encontrar a família do seu pai e levou suas filhas, é isso?

A família inteira! O México é a marca da minha vida. É algo que me traz muita emoção ao falar, porque quando eu falo no México, falo de pessoas que sinto presentes na minha vida, mas que só fui conhecer aos 35 anos. É algo que desde pequenininha eu sonhava. Chegando lá, foi muito divertido, porque eles são muito engraçados e divertidos. Os hábitos são muito diferentes dos nossos, mas foi um momento de identificação. Aquilo que eu ouvia na infância, que eu era “gritona”, de risada escandalosa, que chora à toa, que sou muito sensível, encontrei lá. Um monte de gente chorona, gritona, que ri alto. Eu me identifiquei prontamente com eles. Foi uma experiência muito bonita, muito interessante, inesquecível. Voltei no ano seguinte para passar mais um tempo com minha família. Conheci muitos primos, sobrinhos, tirei muita foto. A gente se fala com frequência. Foi legal também conhecer a parte histórica da colonização.

Vamos falar do IFMS. Como foi a sua chegada à direção-geral do Campus Campo Grande?

Nunca imaginei que sairia da Polícia Militar para chegar onde cheguei. Minha jornada pela PM e pelo IFMS me ajudou a entender o que é gestão. Mas como professora, nunca imaginei que iria passar por um cargo de gestão. Logo que cheguei, nos primeiros meses, já veio uma proposta para um cargo de gestão. Achei rápido, pois na PM isso é muito demorado. Então, comecei como chefe de gabinete. Não tinha função gratificada. Acabei ficando com um sentimento de culpa por pegar menos aulas. Mas, consegui me organizar e levar tudo isso junto por cinco anos. Diante da tentativa de um mestrado aliada a dificuldades familiares que enfrentei, precisei deixar a chefia de gabinete para poder dar uma respirada, equilibrar a vida.

Depois veio a coordenação do Pronatec [Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego], que foi um grande desafio. Nesse período, vieram as eleições para a direção-geral. Nunca imaginei que seria diretora-geral. Não era o que eu aspirava, pois é muito trabalho, muita pressão, muito compromisso e eu achava que não estava pronta. Já tinha trabalhado na chefia de gabinete e não sonhava com isso, até alguns colegas me chamarem para disputar e eu perceber que seria uma grande oportunidade de melhorar o Campus Campo Grande. 

Quais perspectivas você imagina para o Campus Campo Grande?

Todo campus de capital é mais visto, por estar na capital. É a cidade mais procurada por conta dos recursos, do número de habitantes e de outros fatores. Então, é um campus que precisa se desenvolver além do que se espera. E quando a gente fala assim, logo pensa no Hotel Tecnológico, na incubadora, no complexo esportivo e nos cursos que estão por vir. Temos muito a crescer, tanto no ensino, na pesquisa, na extensão, na capacitação dos servidores e na estrutura física. E há muito a ser investido. E, diante de tudo isso, temos esse momento de crise. Entrei em uma gestão com oscilações, cortes, crise financeira e isso está se agravando. Só sinto esse freio neste momento, por conta das possibilidades de crescimento do campus. Nós temos isso planejado, mas vejo que não vai ser realizado como gostaríamos.

E a mudança para o campus definitivo?

Nós estamos nos preparando há um ano e a perspectiva é excelente. Estar em um lugar que é nosso, que a gente possa de fato, quando tiver o recurso, investir para adequá-lo. Em um prédio alugado, a gente não consegue adaptá-lo com recurso público, fica impossibilitado legalmente. Se mudarmos no segundo semestre desse ano, como o previsto, já é um ponto positivo na história do campus e do IFMS.

O que deverá mudar para os estudantes, além da estrutura física?

O que mais vai mudar é o sentimento de pertencimento, de minha casa, de identidade, de fazer parte. O estímulo que terão os servidores também será muito bom. Nós esperamos muito por esse campus e, agora, está nas mãos da minha equipe preparar essa mudança e entregar esse presente para a comunidade. Nesse sentido, é uma gigante satisfação.