Entrevista
Angela Kwiatkowski
A professora Angela Kwiatkowski chegou a Coxim estranhando o clima quente da cidade. Natural de Campo Mourão, a paranaense estava acostumada a sentir as estações do ano melhor definidas do que o nosso "inverno de duas semanas" e o ano todo de verão. Logo ela descobriu que a cidade não é quente apenas no termômetro, mas também fervilha de estudantes interessados em aprender e ávidos para não deixar as características interioranas da cidade interferirem no seu crescimento. Prova disso é que duas orientandas da professora desenvolveram um projeto de pesquisa qualificadíssimo que já rodou o mundo. E novos trabalhos estão vindo por aí, pois o sucesso fez com que Angela se tornasse uma espécie de objeto do desejo dos estudantes que querem ter bom desempenho. Na entrevista, ela detalha melhor a experiência profissional no IFMS, fala sobre perspectivas para os próximos anos e compartilha o que aprendeu na viagem à Finlândia, onde participou do Programa Professores Para o Futuro, do Ministério da Educação.
Angela é graduada em Tecnologia de Alimentos pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e fez doutorado em Agronomia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). No IFMS, atualmente, é coordenadora do curso superior de Tecnologia em Alimentos.
Como você conheceu a instituição e como foi sua chegada ao IFMS?
Eu trabalhava como técnica-administrativa na UTFPR, no Câmpus Campo Mourão. Atuei lá por quatro anos. Com a criação dos Institutos Federais, passei a verificar as possibilidades de ser docente dentro dos Institutos. É uma parte que eu gosto, ser professora na área de alimentos. Conheci o IFMS em 2011 por meio de um edital de concursos. Fiz o concurso para Coxim.
Qual sua formação?
Sou tecnóloga em alimentos, técnica em alimentos, tenho mestrado e doutorado na área de produção vegetal e pós-doutorado na Ciência de Alimentos.
Como foi a chegada a Coxim?
Foi tranquila. Só uma questão de adaptação ao clima, que é um pouquinho diferente. O inverno é curto e o verão parece ser todo o restante do ano. No Paraná, a gente observa mais as mudanças de estação.
E como foi a experiência de deixar de ser técnica e passar a ser professora?
Eu já atuava na parte prática dos laboratórios. É muito gratificante agora poder, além da parte prática, repassar para os estudantes a teoria e verificar o que eles estão aprendendo, como eles estão ligando a parte prática à teoria. É mais legal agora.
E como são os estudantes em Coxim?
Em geral, dedicados. Querem melhorar a situação econômica e de vida. Querem ser técnicos em alimentos, querem se sair bem no Enem, em concursos. Querem ser competitivos, mesmo sendo da região norte de Mato Grosso do Sul, no mercado de trabalho e no mundo acadêmico.
Eu acho que eles começam indecisos pela faixa etária do ensino médio. Entram com 13, 14 anos, mas com o tempo vão se desenvolvendo. Entram sem ter noção do que era o curso e saem com a intenção de prosseguir. Pensam que serão cozinheiros e aprendem a conhecer a ciência, o que é a pesquisa, o que é a industrialização. Descobrem que não é saber cozinhar, mas saber processar um produto de acordo com o que a indústria e a legislação precisam. São profissionais da indústria de alimentos.
Você acha que o trabalho de pesquisa que você desenvolve ajuda a acabar com essa visão?
Com certeza. Os estudantes aprendem que eles têm algo a mais do que a sala de aula, com as visitas técnicas e com as pesquisas. Na pesquisa eles vão além, se sentem motivados, curiosos.
Um dos projetos mais premiados da história do IFMS foi a pesquisa sobre o potencial anticancerígeno da soja, das estudantes Carla Fernanda Okabe e Rayane Melo, feito sob sua orientação. Como essa história começou?
Partiu das estudantes. Elas me procuraram com algumas ideias e colocamos no papel. Elas queriam fazer algo com a soja e a gente foi traçando um caminho. Quando parte do estudante a ideia, isso é interessante, pois ele quer sanar a dúvida. Ele vai atrás e consegue. Percebemos que os resultados estavam sendo satisfatórios e passamos a inscrever os trabalhos nas feiras. A primeira foi a Mostratec, no Rio Grande do Sul, em 2013. Foi a primeira feira delas fora de Mato Grosso do Sul. A partir daí elas fizeram contatos com outros estudantes e professores que trabalhavam na mesma linha de pesquisa, ou com algo semelhante, ouviram os avaliadores e foram juntando as informações para melhorar o projeto e apresentá-lo novamente em 2014, na Febrace, onde elas ganharam prêmios.
E quais prêmios vocês conquistaram até agora com esse projeto?
Na Febrace, as estudantes ficaram em segundo lugar geral na área de Ciências da Saúde, com isso ganharam o prêmio para participar da Intel ISEF, em Los Angeles. Lá elas ficaram entre os 50 melhores projetos da América Latina, isso entre 1017 projetos selecionados. Depois foram convidadas para o LIYSF [London International Youth Science Forum] em Londres, onde ficaram três semanas, fazendo várias atividades culturais e voltadas à pesquisa.
Você imaginava que aquele projeto, que não foi premiado na primeira feira de ciências na qual participou, iria chegar tão longe?
A gente sempre almeja o sucesso para os estudantes. Então, a gente vai indicando qual o melhor caminho. Mas eu não esperava que, já na segunda feira, o projeto seria tão premiado. Foi de Coxim para o mundo. Isso incentivou os outros estudantes. Como elas viraram notícia na cidade, os outros estudantes, que não achavam que iriam estudar no Instituto Federal, passaram a pensar melhor, pois perceberam que não era só aula, que tem visita técnica, que tem feira de ciências, que tem outras opções.
Deve estar chovendo estudantes querendo ser orientados por você...
Sim (risos). E a gente tenta fazer uma seleção. Já ouvi estudante dizer 'vou fazer trabalho com aquela professora que só viaja', como se fosse fácil assim. Se não se dedicar, se não tiver tempo, acaba não conseguindo os mesmos resultados. Não basta só fazer o projeto com a professora Angela.
Professora, a senhora viveu o câmpus desde a sede provisória. Como é estar no câmpus novo?
É maravilhoso. Para quem tinha um laboratório de química e agora tem cinco laboratórios só na área de alimentos, avançou muito. Claro que a gente ainda precisa de equipamentos. Mas com o que a gente tem já dá pra fazer muitas atividades, muitas pesquisas. Temos uma estrutura na qual conseguimos trabalhar com nossas próprias condições.
Como a gestão do câmpus possibilita que vocês consigam render mais na área da pesquisa?
Acredito que a gestão incentiva e tenta, por vários meios, com recursos, com horários facilitados, com liberdade para o professor desenvolver sua linha de pesquisa. Tem a questão financeira, que nós temos apoio. Também tem o apoio dos colegas professores. É todo um trabalho geral. Todo mundo tem boa vontade para que tudo ocorra para os servidores. Quem quer vai atrás.
Você também foi selecionada para o Programa Professores do Futuro e foi para a Finlândia. Como foi a experiência?
Fazer um curso de capacitação pedagógica na Finlândia foi maravilhoso. Pude aprender muita coisa e já estou organizando algumas oficinas para repassar aos colegas docentes. Estou aplicando muitas técnicas que aprendi lá com os meus estudantes, tanto na pesquisa quando nas aulas. Lá eles usam muito o Paulo Freire e Vygotsky. Aprendi muito.
Tem alguma passagem curiosa que tenha ocorrido lá?
Eu era a finlandesa do grupo. Os finlandeses têm olhos e cabelos claros, são loiros. Então, em todo lugar que eu chegava, eles vinham conversar comigo em Finlandês. Eu recebia cardápios em finlandês enquanto os outros do grupo recebiam em inglês. Era muito engraçado, em relação aos demais brasileiros do grupo.
O ensino técnico lá é valorizado?
Sim. Para você ter um emprego na Finlândia, você deve ter um curso. Lá não tem diferença salarial tão exorbitante como em nosso País. Se você quiser ser vendedor, você tem que ter o certificado ou não consegue emprego.
Eles exigem qualificação em todos os níveis?
Não tem diferenciação entre bacharelado e licenciatura. Há o curso de química, por exemplo, mas se você quiser dar aula tem que fazer um curso de especialização em docência.
Tem algo que você queira compartilhar com toda a comunidade que acha importante para todos no Instituto Federal?
Na Finlândia, o sistema de ensino é diferente. Nas faixas iniciais da educação, os estudantes não fazem prova. É avaliado o dia a dia do aluno. Eles fazem trabalhos em grupo e avaliam como ele vai se envolver. Desde pequenos, eles aprendem a ter autonomia, a trabalhar em equipe, em grupo. Talvez esse seja um dos fatores do sucesso do ensino lá. Eles vão passar por avaliação depois da quinta série. Até então, tentam desenvolver o aprendizado de forma colaborativa. O professor lá tem uma carreira muito respeitada, tem muito prestígio, e os estudantes aprendem que devem respeitar o professor. Eles avaliam o que o estudante está aprendendo. Se não aprendeu, é o professor que tem que voltar com o conteúdo e verificar porque ele não aprendeu. Há toda uma equipe pedagógica que ajuda a ver porque esse estudante não está se desenvolvendo como o restante da turma. Seria importante isso aqui, mais colaborativismo.