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ENTREVISTA

Clóvis Gomes Ferreira

Técnico em Audiovisual da Reitoria, atua no Centro de Referência em Tecnologias Educacionais e Educação a Distância
por Paulo Gomes publicado: 27/04/2016 09h00 última modificação: 11/05/2016 12h10

Servidor na área da educação profissional e tecnológica há mais de 20 anos, o técnico em Audiovisual do IFMS Clóvis Gomes Ferreira é uma daquelas figuras que não passam despercebidas. Defensor das causas ambientais, construiu uma casa com o telhado ecológico. Amante do rock, foi amigo de infância do vocalista de uma banda famosa.

Natural de Campo Grande, Clóvis morou por 30 anos no Espírito Santo. Em terras capixabas, foi garçom, limpador de piso e sócio de churrascaria. Como "concurseiro", passou no concurso público da centenária Escola Técnica Federal, e viu a instituição se transformar no Instituto Federal do Espírito Santo (IFES).

Em busca de qualidade de vida, decidiu voltar à capital de Mato Grosso do Sul. Conseguiu uma transferência para o IFMS, onde atua no Centro de Referência em Tecnologias Educacionais e Educação a Distância. Trouxe pra cá a experiência de mais de duas décadas de IFES, e a vivência de como a educação pode ser transformadora.

O Perfil do Servidor desta quinzena traz um bate-papo super descontraído com essa “figuraça”. Quer saber quem é o amigo de infância famoso do Clóvis? Leia a entrevista e divirta-se!

Você veio do Espírito Santo. Como foi sua história no IFES, o Instituto Federal do Espírito Santo?

Eu tenho 22 anos de serviço público, comecei lá e ainda nem existia o Instituto Federal. Era Escola Técnica Federal do Espírito Santo. O IFES hoje tem 106 anos, a estrutura é muito grande. São 22 campi no interior e na região da grande Vitória. Lá eles têm aquela coisa do sentimento de “ifeitiano”. Tinha um hino que se cantava antes do hino nacional, nas festividades. Os professores e funcionários mais antigos e alguns mais novos como eu, nós cantávamos mesmo, tínhamos verdadeiro amor. Ali era como se fosse uma família, mas eu senti a necessidade de alçar novos voos e partir para o interior porque sou nascido em Campo Grande, mas vivi muito pouco tempo aqui. Minha intenção era voltar pra recomeçar a vida e continuar no Instituto Federal, já que sendo servidor público federal eu poderia ter essa possibilidade de conseguir a transferência. Eu pensei: por que não? Em fevereiro, vai fazer um ano que estou aqui. Estou gostando, são muitas possibilidades novas, né? É aquela coisa das possibilidades. Mato Grosso do Sul precisa desse enraizamento do Instituto Federal. Não é só uma escola de ensino tecnológico. Também tem esse lado social que eu acho muito interessante, de levar a educação onde as pessoas precisam. Você leva a oportunidade para as pessoas mudarem a vida delas e também mantém esse jovem no interior, pra que ele não fique buscando aquela velha história de vir para a cidade grande, e aqui muitos deles não têm oportunidade. Gosto muito de trabalhar aqui, porque além de me dar o sustento e o sustento dos meus filhos, me dá a oportunidade de fazer alguma coisa por esse país na área da educação. Aqui nós não somos apenas servidores públicos. Temos um compromisso de semear e de transformar.

O que você fazia lá no outro Instituto?

Eu era técnico em Audiovisual, também como sou aqui.

Lá vocês produziam programas de TV?

Nós tínhamos o canal universitário, e quem controlava era a Universidade Federal [do Espírito Santo]. Tínhamos o curso de radialista, que era um convênio com o sindicato patronal dos trabalhadores de rádio e televisão lá do Espírito Santo. Esses profissionais faziam as aulas práticas nesse laboratório, que era uma rádio. Tínhamos também um estúdio de televisão e ali a gente produzia muita coisa tanto externa como interna. Toda semana, a gente apresentava uma fita, na época era uma fita VHS que a gente mandava para o canal universitário. Na programação, a gente falava sobre os cursos, o mercado de trabalho, a atuação dos Cefets [Centros Federais de Educação Tecnológica] no mercado. Lá, o Instituto Federal é onde se forma mão de obra para o mercado técnico que mais emprega, no caso a Vale do Rio Doce, a Arcellor Mital, a Samarco, a Aracruz, que hoje é Fibria. O IF no Espírito Santo é tão famoso nesse aspecto que nem precisa ir atrás das empresas, as empresas vêm todo ano.

Ao passar de Cefet para IF, o que mudou?

Basicamente, vou começar por três coisas. O tripé: ensino, pesquisa e extensão. Era uma escola de segundo grau, não tinha extensão nem pesquisa. Hoje, é uma instituição diferente daquela escola de segundo grau. Tinha que se criar uma pró-reitoria de pesquisa, uma pró-reitoria de extensão, um monte de coisa nova, inclusive estrutura física. Naquela época, a bancada espírito-santense se juntou para buscar verba e montar uma escola na sua região. Na região da grande Vitória, cada cidade tem um Instituto Federal. Quando entrei lá, eu trabalhava no setor de audiovisual, que estava se transformando por causa das tecnologias. Aí eu fui convidado a montar a comunicação social, porque ela existia no papel, mas não existia de fato. Na época, não tinha jornalista. Uma colega que saiu da biblioteca foi montar comigo. Eu, que sou técnico em Audiovisual, fazia de tudo, desde o folder, logomarca, tudo que você pode imaginar. Tinha o jornal Olho Vivo, que era impresso num A4. A gente tinha uma gráfica, fazia até capa de apostila.

Isso foi em que ano? Só pra situar.

Foi entre 98 e 2000, por aí.

Clóvis, o que motivou você a sair do Espírito Santo e vir pra cá?

Motivação pessoal, em maior parte, e motivação profissional. Profissional por ser um Instituto Federal novo, de cinco anos apenas, eu pensei que poderia ajudar de alguma forma. Tenho esse espírito, sou um cara idealista e acredito muito nesse país.

Então, você achou que tinha a contribuir com o crescimento do IF aqui?

Sim, na área de educação a distancia, principalmente. Em Mato Grosso do Sul, se você analisar, temos grandes extensões de terra. No Espírito Santo são várias cidadezinhas, cada um com seu distrito, mas a população é mais distribuída. Aqui, a concentração está mais na capital do que no interior. Isso é também um fato que eu observei, quando fui trabalhar em 1993 no Campus Colatina, cidade que fica a 220 quilômetros de Vitória. Antes de você entrar na cidade, não tinha nada. Hoje, é oferecido curso de Arquitetura, técnico em Edificações, técnico em Informática. O fato de o Instituto ter sido implantando naquele local movimentou a economia. As pessoas que trabalham ali precisam comer. Criou-se um barzinho, um restaurante, o outro botou pipoca. Olha só o impacto econômico, físico e social que acontece quando você implanta um campus desses. Igual o nosso campus aqui de Nova Andradina. Parece que o Governo do Estado já está sinalizando para criar uma rodovia. Isso é uma notícia muito boa!

Os institutos melhoram os locais...

Melhoram os locais, porque têm pessoas que trabalham ali dentro, tem professor, tem técnico-administrativo, tem aluno. Tem toda uma economia que gira. É muito interessante. É uma revolução que nós estamos vivendo!

E suas motivações pessoais, você pode falar a respeito?

Posso. Vitória é uma cidade de 400 anos de idade. É uma cidade antiga com uma população muito grande. Pelo fato de ser uma ilha e ser uma capital com várias instituições federais e estaduais, muita gente mora em cidades-dormitório. Então, às sete horas da manhã, todas as pontes estão interditadas.

A qualidade de vida que você tinha lá já não era mais a mesma que você tinha antes?

Já não era mais. Morei 30 anos lá. Eu morava na Praia do Canto, pegava ônibus e em 15 minutos chegava ao campus. Há um ano, eu estava gastando 40 minutos, quase 45 minutos, dependendo do horário. O problema de Vitória é a falta de planejamento. Campo Grande é uma cidade planejada, coisa que muitas cidades no Brasil não são. Isso pra mim é uma queda na qualidade de vida, então esse foi um dos motivos pessoais. Outro motivo foi problema com a ex-mulher. Isso aí é complicado, não tem teoria. Preferi ter a liberdade de vir pra cá, e estou muito feliz. Queira ou não, se você quiser trabalhar aqui até o final da sua vida, vai conviver com uma pessoa pelo menos trinta anos, trabalhando oito horas por dia de segunda a sexta. Cria uma intimidade, não tem como. Você sente falta, a gente não está aqui pra viver mecanicamente, não. A gente aprende, eu estou aprendendo com você, você aprende comigo, tem que estar aberto a essas coisas.

Acaba virando uma família...

Você comenta um problema que às vezes não tem com que conversar. Esse é um dos grandes problemas do mundo moderno. O homem precisa voltar pra dentro dele e falar: eu sou um ser social, eu não preciso ser melhor que o outro. Eu vivo hoje numa casa de 30 m², e defendo essa teoria.

Você optou por isso? Como que foi essa história?

Eu optei. Quando vim pra cá, um ano antes, infelizmente, meu pai faleceu, e minha mãe foi morar em São Paulo. Havia um apartamento onde eu morei com meu pai e minha mãe, e ela quis se desfazer dele. Dividiu metade do apartamento pra mim e metade para o filho do meu irmão. Aí eu peguei e pensei: vou investir, vou fazer igual turco, árabe, judeu, vou investir em terreno, obras de arte ou ouro. Comecei a procurar terreno, tanto aqui quanto lá. Aí me apaixonei por esse terreno, que fica no Recanto Pantaneiro, que é um bairro novo que tem ali perto da Coronel Antonino. É um lotezinho pequenininho, tem 260m². Deixei um cantinho do terreno onde eu vou morar e a maior parte eu quero ver livre, quero ver o céu, as estrelas, a noite. E tem um pé de Ingá do vizinho que meio que adentra dentro do meu terreno. O quarto onde eu durmo, não coloquei janela, não. Botei uma porta janela que fica de frente pra esse pé de Ingá. Quando tem chuva é um espetáculo, eu fecho a porta de vidro e fico só olhando. Essa coisa de você se envolver muito com cimento, com concreto. Eu falo: apartamento, pra mim, não é qualidade de vida. Eles oferecem muita ilusão. Eu acho que o ser humano precisa voltar para onde ele veio. Da terra veio e para a terra voltará, não é assim que está escrito na Bíblia? Acho que o caminho é esse. Você tem que ensinar para os seus filhos, ensinar para seus netos, que o homem está ligado à terra e ele precisa do outro.

A sua casa é ecologicamente correta?

A ideia é essa, porque eu acho que se a gente bota cimento, bota pedra e molda o cimento, a gente precisa saber usufruir o que a natureza dá e entender que aquele monumento que você construiu pode absorver isso aí. Acompanho o que vem acontecendo no mundo sobre questão energética, reaproveitamento de recursos naturais. Acho que a casa pode muito bem contribuir com isso, então eu tô indo nessa onda, que é o que eu gosto de fazer, arquitetura voltada para o meio ambiente, ecologicamente correta, sustentabilidade. Lá em Vitória, eu era de uma cooperativa, e nós tínhamos um projeto que era uma usina de reciclagem de resíduos da construção civil. Tem uma média de perda de 30%, apesar de toda política que tá sendo adotada de canteiro de obras, de lixo reciclado. O que se perde, essa usina aproveita e ali você transforma todo esse material em manilha e calçamento.

Você me falou do teto ecológico...

A ideia é essa. A casa não tem telhado, ela tem uma laje onde a água vai cair ali e eu vou colher essa água através de quatro tubos. Dali, ela vai para o tubo principal e depois para um reservatório ao lado da casa. Essa água eu vou usar pra jogar nas plantinhas. Ao Invés de usar água doce, eu uso a água da chuva. Isso é uma das coisas, a outra é o telhado verde, uma tecnologia de mais de três mil anos. Hoje, está se comprovando que os egípcios e assírios tinham muita tecnologia para as águas e uma das tecnologias é que se você colocar um jardim em cima de uma casa, de um castelo, seja lá o que for, você ameniza o calor do sol. Se você colocar o telhado verde estará diminuindo o consumo de ar condicionado ou de ventilador. Você economiza seus gastos com energia elétrica e colabora com o meio ambiente, porque você tem plantas em cima da sua casa.

Você fez faculdade de Arquitetura depois que passou no concurso do Instituto Federal?

Exatamente, no mesmo ano que eu passei no Instituto eu passei na Arquitetura.

Antes disso, sua vida estava meio desestruturada...

Estava, estava. Eu era professor de educação física e não arrumava emprego. Um dos bicos que eu fiz muito, cheguei até montar empresa nessa área, foi na área de publicidade. Foi quando comecei a fuçar com essa parte gráfica. Naquela época, computador quase ninguém tinha. Tinha uma gráfica lá em Vitória que era a única que fazia a laser e trabalhava com Corel Draw 4. Eles cobravam por dolár a hora. Comecei a fuçar, adorei. Aí pensei: vou mudar de área, vou fazer um curso, alguma coisa assim. Aí descobri a arquitetura. Você pergunta pra mim, não poderia ser publicidade? Não poderia ser artes plásticas? Poderia ser, mas vou procurar a mãe de todas que é a arquitetura. A arquitetura é mãe da publicidade, do design gráfico, do desenho industrial. É mãe de tudo isso.

Nessa ocasião, você foi morar no Espírito Santo?

Teve uma época que eu vim pra cá, mas voltei pra lá de novo. Lá eu morei 30 anos. A minha vida é de cigano. Meu pai era militar do Exército, então a gente morou em várias cidades do Brasil. A média que eu morava era três anos. Até hoje eu sou meio assim, mas eu falei: agora chega de mudar! Porque tem seu lado legal, mas tem o seu lado que não é legal. Raízes, você não tem nenhuma. Todos os amigos que eu tive, nem sei onde estão. Alguns, eu sei porque começaram a fazer sucesso. Por exemplo, você conhece o Paulo Ricardo, do RPM? Esse cara foi meu colega quando eu morei em São Paulo. O pai dele morava no sétimo andar e a gente morava no vigésimo andar do prédio dos militares. O pai dele era do Exército também. Tinha um pessoal que jogava futebol, e eu nunca fui bom de futebol. Eu e ele ficávamos de fora do futebol, aí eu comecei a bater papo com ele, comecei a trocar ideia, na época eu tinha 15, 16 anos. Ele tinha uma coleção dos Beatles e eu era “rockmaníaco”. Eu tinha tudo quanto é coisa de rock. Rock progressivo, heavy metal, Led Zepelin, Janis, tudo. Aí rapaz, eu mostrei pra ele o disco do Led Zepelin, ele ficou doido, mudou a vida dele. Ele comprou uma guitarra, comprou aquele alto falante de por na guitarra e começou a cantar igualzinho ao Robert Plant. Você pode ver até hoje o jeito que ele canta, ele faz assim com mão igualzinho o Robert Plant. Aí ele foi pra Europa, conheceu Londres, e de lá ele voltou pra cá e foi fazer o curso de Jornalismo, Comunicação Social. Só que aí ele montou a banda e tal, virou artista. Esse foi um dos poucos que eu soube como está. O resto, não sei.

Você está feliz aqui no Instituto?

Estou feliz, gosto muito daqui, gosto do que eu faço, gosto dos colegas de trabalho como você, eu estou aprendendo muito aqui com vocês. Campo Grande mudou muito, cresceu muito. A última vez que eu vim aqui tem uns 15 anos, como mudou essa cidade, como cresceu. Agora, isso aqui é tudo novo. Bairro lá pra cima. Eu adoro esse lugar, o Instituto Federal, aqui nós temos condições excelentes de trabalho.

Para esses jovens que estão entrando no Instituto, o que você gostaria de falar pra cada um deles, diante de toda essa experiência que você viveu?

O que eu tenho que dizer pra eles é que isso aqui é uma grande oportunidade. Além de ser uma instituição de trabalho, também é uma instituição de ensino. Sem querer, você aprende. Já fiquei muito tempo desempregado, fiz bico, tudo que você possa imaginar, até matei frango. Fui garçom, limpador de piso, vendedor, sócio de churrascaria, sócio de barzinho. Um monte de coisa eu já fiz. Aí virei concurseiro. Num desses concursos eu passei, só que aí eu me acomodei. Poderia ter buscado outro, mas eu acabei gostando de trabalhar aqui. Você só não trabalha, você tem possibilidades. O fato de você ter o plano de carreiras, naquela época nós não tínhamos, hoje nós temos. Foi a maior conquista que a gente conseguiu. Nós evoluímos!