ENTREVISTA
Flávio Amorim da Rocha
O Perfil do Servidor desta quinzena traz a trajetória de Flávio Amorim da Rocha, que decidiu ser professor ainda na adolescência após se apaixonar pela língua inglesa.
Formado em Letras pela UFMS, onde realizou seu mestrado e atualmente elabora tese de doutorado, Flávio compartilha na entrevista abaixo sua experiência não só como docente do Campus Campo Grande desde 2011, mas também sobre sua atuação e objetivos enquanto coordenador-geral de Relações Internacionais do IFMS.
Flávio também divide sua experiência sobre a recente capacitação da qual participou nos Estados Unidos, juntamente com outros 77 professores da Rede Federal, e o que isso acrescenta em sua atuação profissional a partir de agora.
Confira ainda no bate-papo o que este satisfeito professor espera para o seu próprio futuro e para o do IFMS.
Professor, vamos começar falando um pouquinho de onde o senhor nasceu, onde foi criado...
Eu nasci e fui criado em Campo Grande mesmo. Fiz todo meu ensino básico aqui na cidade, sou formado em Letras pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, tenho mestrado também pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e agora sou doutorando do programa de pós-graduação em Letras do Campus Três Lagoas da UFMS.
Como foi sua infância? Você já tinha esse sonho de ser professor, brincava disso?
Não. Não tinha sonho, não. Meu pai me matriculou em um curso de inglês e eu não tinha muita vontade de fazer o curso. Eu sempre gostei da língua, me identificava, gostava de músicas e tal, mas daí a fazer o curso, eu já não queria. Eu tinha uns treze anos. Aí eu me apaixonei pelo idioma, fiz aula com um professor que marcou muito a minha vida e eu perguntei pra ele, se eu quisesse trabalhar com isso como é que seria. Ele me falou do curso de Letras. Na verdade, eu optei por fazer Letras contra o gosto da família, mas deu tudo certo no final. A ideia de ser professor foi quando eu fui fazer o curso de idiomas mesmo.
Isso aos treze anos, mais ou menos?
Mais ou menos, aos treze, quatorze, eu já sabia o que ia fazer, não tinha certeza que seria Letras, mas que eu queria mexer com a língua inglesa, eu queria.
E por que a sua família não queria?
Meu pai queria que eu fosse advogado. Queria que a gente ganhasse dinheiro. Ele disse que o sonho dele era ter um filho advogado, aí eu cheguei pra ele e disse que faria Letras e ele ficou uma semana sem falar comigo. É isso aí. Depois acho que ele aceitou.
Em que ano você se formou?
Eu comecei a graduação em 2002 e o curso terminou em 2005, aí depois disso eu trabalhei de 2002 até 2010, comecinho de 2011, em cursos diferentes de idiomas. Em 2011, vim pro IFMS, quando terminei meu mestrado e só comecei o doutorado dois anos atrás.
E o concurso para o IFMS, como ficou sabendo?
A instituição era muito nova, ninguém conhecia. Uma colega falou de um concurso para uma instituição, mas eu nem sabia o que era. Aí que fui procurar saber o que era o Instituto, que estava sendo implantado aqui.
Então, você não conhecia nada sobre cursos técnicos integrados?
Não, não conhecia nada de ensino técnico, nada da proposta. Sabia da existência dos Cefets [Centros Federais de Educação Tecnológica], mas eu não sabia o que era o projeto do Instituto Federal.
Como uma segunda língua contribui para o desenvolvimento escolar?
Contribui enormemente. Acredito que quando você ensina língua não ensina só o idioma, ensina cultura também. Acho que quanto mais contato os estudantes têm com culturas diversas, com outros costumes, eu acredito que a gente se enxerga no outro e a gente acaba entendendo melhor a nossa própria cultura. Tem ainda as possibilidades de intercâmbio, de trabalho. Hoje em dia, a língua inglesa é vista como uma língua global. O inglês é falado no Brasil, na China, na Alemanha, o mundo inteiro fala inglês. Isso abre muitas portas, não só na questão de turismo, mas na questão de trabalho e eu acho também de enriquecimento cultural. Quando você vai pra outro país, acaba se enxergando muito melhor, eu acredito muito nisso.
Você chegou ao IFMS em 2011. De lá pra cá, qual fato te marcou na instituição?
Nunca tive vontade de trabalhar com ensino médio. Tanto que quando fiz o concurso do Estado eu tinha acabado de sair da faculdade e não assumi o concurso porque tinha um certo receio do ensino médio. Queria me dedicar à pesquisa, e queria dar aula na graduação. Mas, quando comecei no Instituto, eu me apaixonei pelo ensino médio. Hoje em dia, prefiro dar aula para o ensino médio ao superior. O que marca é sempre estar junto com os alunos, eu me divirto muito. Dar aula, além de ser o meu trabalho, é também minha diversão. Tem alguns alunos que marcam, porque você não acaba só sendo professor, né? Você vira um pouquinho de psicólogo, um pouquinho de pai, então têm uns alunos que marcam a gente e que ensinam. Pra mim, o processo de ensinar é muito mais de aprender, né? A gente leva um pouquinho do que a gente sabe, só que a gente recebe muita coisa e isso faz a gente crescer muito.
Qual a diferença de dar aula pro ensino médio?
É que, na época, vários amigos já estavam trabalhando com ensino médio eles não me falavam de experiências muito positivas. Mas acho que o nosso público é diferenciado. Nossos alunos vestem a camisa, estão na instituição o tempo inteiro, se envolvem com muitas atividades e a gente tem a possibilidade aqui de trabalhar não só com sala de aula, mas tem os projetos. Eles acabam se envolvendo muito mais dentro da instituição isso fica muito legal, a gente cria uma comunidade.
Vamos falar sobre sua atuação como coordenador-geral de Relações Internacionais. Como é isso hoje?
A gente está com duas frentes de trabalho. Uma das frentes é o ensino de idiomas. Estamos atuando na tentativa de começar nosso Centro de Idiomas, com a questão da aplicação dos exames internacionais, do Toefl ITP e agora do Toeic, para os alunos do ensino médio. O que pode acontecer? Do e-Tec Idiomas estar junto. Nosso grande desafio é abrir o Centro de Idiomas, a gente está montando os projetos, buscando aprovação, pra ver como isso vai funcionar, num diálogo com todos os campi.
A intenção é ter um Centro de Idiomas em cada campus, começando aqui em Campo Grande?
Essa é a intenção. A gente teve uma ação que chamou de projeto piloto e, a partir disso, a gente pôde observar algumas coisas que podem funcionar quando implementar o Centro, e coisas que não vão funcionar. Esse piloto foi bastante interessante por isso. Agora, a gente está buscando aprovação para que o nosso Centro de Idiomas seja institucionalizado, que a gente tenha isso nos dez campi.
Haveria vagas para a comunidade externa?
A gente quer que funcione como extensão. E que a gente atenda à comunidade interna e comunidade externa. A comunidade interna, principalmente, porque quando a gente conseguir os nossos convênios internacionais e puder mandar nossos alunos pra fora, a gente quer ter a sensação de que está mandando o aluno do Instituto pra fora, aquele que não tem condições de fazer curso em outras instituições. Porque se eu abrir um edital agora, por exemplo, tenho certeza que o aluno que vai ser contemplado faz inglês fora daqui. Porque normalmente os professores de inglês, eles não tem a condição de formar o falante da língua com quatro semestres, uma carga horária limitada. A questão do Centro de Idiomas é pra isso, pra gente fomentar o ensino.
Primeiramente, seriam aulas de inglês?
Seria inglês e espanhol, inicialmente, e com o e-Tec Idiomas a gente teria o português para estrangeiro, onde a gente tem as regiões de fronteira.
Em que pé que está o projeto do Centro de Idiomas?
A gente está com o projeto elaborado, já passou pelo Codir [Colégio de Dirigentes], mas voltou para fazermos algumas adequações. A Proex agora está trabalhando em cima dessas adequações, essa é um das frentes de trabalho da minha coordenação. A outra é a busca de parcerias com outras instituições. A gente faz parte de um grupo que chama Forinter, Fórum das Relações Internacionais, e dentro desse fórum a gente tem as possibilidades de troca entre todos os assessores dos Institutos. Existem algumas parcerias que são firmadas entre a Rede Federal, por exemplo, Setec [Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica] e universidades estrangeiras, e a gente pode pegar carona nisso. Existem as parcerias que a gente firma entre o nosso Instituto e outro. Está em andamento para ser assinado o do Canadá, que a gente recebeu a visita ano passado.
Isso faz parte do processo de internacionalização do IFMS?
Faz, porque na verdade o processo de internacionalização tem por base o ensino do idioma. Para que se tenha alunos participando, ou mesmo o servidor participando de ações, precisamos instrumentalizar com a língua, então se eu não ofereço o curso, fica complicado. A gente precisa fomentar o ensino de línguas. A partir disso, vamos construindo essas relações com as universidades. Hoje em dia, a nossa grande barreira é o idioma, porque esses editais pedem uma pontuação muito alta de Toefl ou de qualquer outro exame, e a gente nem sempre tem alunos. Mesmo as aplicações do Toefl têm tido poucos alunos inscritos, são mais servidores.
Sobre o Toefl, vamos ter mais aplicações?
Para esse semestre, a ideia é que a gente faça algumas aplicações em Campo Grande, porque no interior a gente não conseguiu muita gente. Acaba sendo um trabalho de um semestre inteiro, para pouca produção.
O Toefl é pra estudantes da graduação e servidores, esse outro exame que o senhor comentou há pouco seria para alunos do ensino médio. Como funciona?
É o Toeic, um exame também de proficiência em inglês, só que ele é mais voltado para o mercado de trabalho, por isso que vai ser aplicado para o técnico. Esses dois exames, na verdade, estão sendo aplicados na Rede para a Setec ter dados, então é interessante que a gente aplique agora, no início do semestre, para depois a gente poder aplicar no final e ver como nossos alunos estão saindo da instituição, evoluindo em questões linguísticas.
Vamos falar da sua viagem. O senhor voltou recentemente de uma capacitação na Califórnia. Como foi essa experiência?
Foi muito legal. Foi um programa de desenvolvimento para professores de inglês ofertado, inicialmente, pela Northern Virginia College, com sede na Virginia. No meio do processo, eles dividiram as turmas porque nós éramos 78. Trinta e oito foram para a Califórnia e o restante foi pra Washington, na Virginia, ali pertinho. O curso teve como princípio estudos de metodologia de ensino. Foi organizado por uma professora que trabalha com isso há muitos anos, e era bem voltado para práticas de sala de aula. Como ela já tem bastante experiência como professora de outras línguas, ela sabia o nosso contexto. Foi produtivo também o fato de nós estarmos lá 38 pessoas em São Francisco e, dessas, a gente tinha de 20 IF's diferentes. Foi uma troca muito bacana entre a gente. A conversa de como as coisas funcionavam em cada Instituto, a internacionalização, o ensino de inglês. A gente vai fazer uma reunião de repasse em Brasília para ver como que podemos transformar isso em aplicação para os Institutos.
O que o senhor viu lá que os outros Institutos estão desenvolvendo e que podemos ter aqui, por exemplo?
Há algumas instituições que já conseguem trabalhar só com 15 alunos por sala, outras abriram Centro de Idiomas, então a gente conseguiu conversar sobre como é que aconteceram os processos e acho que é bem esse o caminho. A gente pode se espelhar nesses que já estão um pouquinho mais à frente. Mas a gente também acaba virando referência um pouco, por conta do e-Tec Idiomas.
O que é ser professor e, no caso específico, servidor público?
Ser professor, pra mim, é aprender cada dia mais. É uma das profissões mais gratificantes que existem quando você percebe, por exemplo, que seu aluno desenvolve alguma coisa, pode até nem ser na sua disciplina, mas o quanto ele cresce como pessoa ali dentro. Isso é muito bacana, acho muito recompensador. Essa questão de você não se colocar sempre num pedestal. Você está junto com eles e eles te ensinam coisas também, para mim isso é o mais incrível de dar aula. É essa troca com os alunos.
Você se vê fazendo outra coisa?
Não. Nunca fiz outra coisa, eu comecei a dar aula com 17, 18 anos. Não me vejo fazendo outra coisa. Mesmo com o trabalho mais burocrático aqui, ainda acho que me realizo de maneira mais completa na sala de aula.
O senhor é doutorando com um estudo sobre o cinema de massa como catalisador da promoção do letramento literário no ensino médio. Do que se trata esse estudo?
Um aluno chegou pra mim e falou, professor eu quero estudar e fazer um projeto de pesquisa na área de literatura.
Aluno do ensino médio?
Aluno do médio, Pibic [Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica]. Ele conversou comigo e eu falei: tá bom, vamos lá! Montei um projeto com ele e achei superinteressante porque ele queria trabalhar leitura, o que é uma coisa que me interessa. A gente começou a fazer um mapeamento dos leitores do campus, pra saber o que as pessoas leem - porque normalmente os professores reclamam que os alunos não leem, quando na verdade eles estão lendo. A gente começou a entrar nessas discussões e montou um grupo que chama Entre Leituras. A gente começou a utilizar o cinema de massa – Jogos Vorazes, por exemplo – para atrair os meninos, fazer algumas discussões sobre literatura.
Filmes baseados em livros ou não necessariamente?
A gente tá trabalhando com adaptações. A nossa inquietação era: se eles estão lendo, por que não valorizar o que eles estão lendo? É complicado isso de querer valorizar só o Machado de Assis, só a Clarice Lispector. Eles têm bagagem, estão lendo e muitas vezes a escola não abre a oportunidade pra que eles discutam aquilo que trazem. A gente começou a fazer rodas de conversa e foram bem legais. Eles conseguem tirar muitas coisas desses livros, e a gente viu isso também como uma porta para oferecer outros tipos de leitura. A gente discute Jogos Vorazes, mas a gente fala de outros tipos de livros, de outras literaturas. Disso eu tirei a ideia do meu projeto de doutorado, que é a utilização dessas obras de massa pra valorizar o background do aluno, e como isso pode contribuir pra formação do leitor de literatura.
E isso está sendo estudado no seu doutorado?
Estou estudando essa questão da literatura de massa na formação do gosto literário e como isso pode promover o letramento literário, que é na verdade o despertar do gosto pela leitura no aluno do ensino médio.
Pra finalizar, o que o senhor espera do futuro do IFMS?
Acho que a gente ainda tem muito para crescer. Sou um apaixonado pela instituição em que eu trabalho, gosto muito de trabalhar aqui. Não me vejo saindo daqui, é o lugar onde quero me aposentar, que eu quero fazer coisas acontecerem. A gente está nos primeiros passos ainda, já fez muita coisa, já consegue colher muito frutos, mas a gente tem muito ainda pra aprender e tenho certeza que quero fazer parte disso.