Entrevista
Ricardo Antônio Pereira Velho
"Sou muito família". É assim que o servidor Ricardo Antônio Pereira Velho se define. Natural de Ponta Porã (MS), viveu até os 18 anos no Paraguai, situação comum na fronteira com o Brasil, uma vez que Pedro Juan Caballero e a cidade vizinha são divididas apenas por uma avenida.
Na maioridade, mudou-se para o lado brasileiro para servir o Exército, onde ficou por seis anos. Depois, mudou-se para Minas Gerais, onde afinou o talento para a gastronomia, herdado da família, em um curso técnico na área.
"Eu, como servidor, tenho responsabilidade e compromisso com a formação do estudante do IFMS, pois ele é fruto do nosso trabalho".
Ricardo tem uma experiência pouco comum no IFMS. Ao mesmo tempo em que atua como assistente de alunos, é estudante do curso superior de Tecnologia em Agronegócio, ou seja, trabalha diretamente com os colegas e é companheiro de trabalho dos próprios professores.
No início do ano, Ricardo assumiu um terceiro papel: o de chefe de Gabinete do Campus Ponta Porã. Um desafio do qual fala com paixão. Confira no bate-papo a seguir!
Conte um pouco da sua história e de como você chegou ao Instituto Federal?
Nasci no Paraguai e fui registrado em Aral Moreira, que era distrito de Ponta Porã. Sou filho de mãe brasileira gaúcha e de pai paraguaio, natural de Concepcion (PY). Embora eu tenha nascido no Brasil, minha família morou no Paraguai durante muito tempo. Eu atravessava aquela linha imaginária para ir à escola. Fiz o fundamental e o médio no Brasil e morei até os 18 anos no Paraguai. Jogava bola lá, as minhas amizades eram paraguaias. Fui criado convivendo com o idioma brasileiro, da minha mãe, que tem domínio do guarani e espanhol, e com meu pai, que fala bem o português.
Eu estava morando em Minas Gerais e por uma oportunidade da vida passei no vestibular para o Campus Ponta Porã do IFMS. A coordenadora do meu curso avisou que teria um concurso. Alguns colegas prestaram. Dentre eles dois passaram, eu e outro. Prestei para assistente de alunos e fui nomeado em julho de 2014. Eu não conhecia muito sobre o Instituto Federal. É uma Rede muito interessante e muito jovem, criada em 2008, por isso eu não conhecia.
Em 2015, comecei a trabalhar como auxiliar da Diren [Diretoria de Ensino]. Na última eleição de diretores-gerais, o professor Marcos [diretor-geral eleito] me convidou para ocupar o gabinete. Fiquei com receio, pois a chefia de gabinete é a alma do campus. Você é o cara que faz com que as coisas fluam e precisa contribuir com todos para que deem certo. Já aprendi muito. Todo servidor deveria ter um cargo de gestão ou ocupar um cargo de chefia ao menos uma vez para entender como funciona.
Como foi sua convivência familiar com duas culturas de países diferentes?
A gente foi educado de forma bem diferente, no sentido dos idiomas. Tenho muita afinidade com o português e acabei vindo para o Brasil. Meu irmão, criado no mesmo contexto, casou-se no Paraguai, exerce a profissão no Paraguai, as filhas são paraguaias e ele mora lá. Isso é uma coisa bem normal na fronteira.
Aos 18 anos eu vim embora para o Brasil porque tive que entrar no Exército. Então, comecei a entender o Brasil. Servi seis anos. Aprendi muita coisa sobre administração pública. A bagagem que tenho de serviço público, eu aprendi lá atrás, dessa vivência.
E depois que você serviu o Exército?
Depois que eu saí, a cidade ficou pequena. Precisava estudar e não me identificava com nada em Ponta Porã. Sempre fui cozinheiro, desde pequeno. Minha mãe me formou. Meu primeiro emprego foi em restaurante. Daí, fui para Uberlândia, em Minas Gerais. Lá eu fiz um curso técnico em gastronomia em uma ONG [Organização Não Governamental], onde trabalhei como voluntário. A gente ensinava o pessoal na periferia e depois devolvia para o mercado de trabalho. Os alunos tinham muitos problemas pessoais, e a gente trabalhava na formação do caráter. Foi mais uma coisa que me preparou para o Instituto, pois eu gosto de trabalhar com gente. Eu gosto de lidar com as pessoas e seus problemas. Não sou psicólogo, mas gosto de lidar com gente.
Como foi essa história de ser estudante e servidor do IFMS ao mesmo tempo?
Foi uma coisa bem diferente, pois me tornei colega de trabalho dos meus professores. No começo, senti um pouco de dificuldade, mas me adaptei. E foi se intensificando, pois passei a auxiliar da Diren e a controlar o trabalho dos docentes, que também eram meus professores. Tive que manter uma relação bastante diplomática.
Você acabou caindo no lugar certo, pois já tinha a experiência da ONG.
Eu gosto de manter a proximidade com o estudante, pois meu cargo é mais pedagógico, voltado para o atendimento do estudante. O estudante é o nosso produto, o fruto do nosso trabalho. A gente tem que ter zelo. Tudo que envolve os alunos, gosto de estar por dentro.
O que você faz fora do Instituto Federal?
Gosto de cozinhar para a minha família. Todo domingo tem almoço. Tenho oito irmãos e a gente faz churrasco, arroz carreteiro, inventamos uma comida. Gosto de música também, toco violão. Nas minhas horas vagas, também gosto de assistir seriados, embora tenha sido difícil acompanhar. Também curto som, gosto de rock.
Sua família se reúne sempre?
Tenho irmãos que moram no Paraguai, outros em Campo Grande e até em outro Estado. Quando dá, a gente se junta. Mas todo domingo, estou na casa dos meus pais. Moro em Sanga Puitã [distrito de Ponta Porã] por uma questão de logística, para ficar mais perto do campus. Final de semana eu vou para a casa da minha mãe. Todo Natal é junto, todo feriado é junto. O meu pai é paraguaio e preserva muitos valores do Paraguai. Eles têm essa coisa de família, essa necessidade de estar sempre junto. Sou muito família.
Aproveitando essa bagagem que você tem de ser servidor e ao mesmo tempo estudante, que mensagem você deixa pra nossa comunidade escolar?
Eu diria que, enquanto estudante, a gente procurasse entender mais sobre a nossa instituição. Procurar ser mais participativo, saber que a gente pode construir o IFMS. Nós do curso superior temos que promover os diretórios acadêmicos para que sejamos relevantes para o contexto da nossa região. Eu fui diretor do primeiro diretório acadêmico do Campus Ponta Porã. É um marco, pois o diretório contribui para o crescimento do curso, para que a instituição seja valorizada e para que sociedade se sinta representada. Eu não tinha o perfil de tecnólogo em Agronegócio, mas hoje sinto orgulho. Muitas coisas que faço, atualmente, na minha função eu atribuo ao capital intelectual que adquiri no curso. Em gestão de recursos humanos, eu tive ótimos professores do IFMS. A gente tem uma bagagem muita boa, um quadro docente muito bom, tem que se apropriar e aproveitar mais isso.
E a visão enquanto servidor?
Seja professor ou técnico-administrativo, você tem uma finalidade importantíssima na vida do estudante. Uma coisa que o professor Simão [reitor do IFMS] falou e achei interessante, é que você não tem uma disciplina de responsabilidade no IFMS, mas você tem que ensinar sobre isso. Então, quem ensina sobre responsabilidade? É o assistente de aluno, o professor, o cara do Cerel [Central de Relacionamento]. O servidor tem esse papel na formação do estudante, que precisa de um norte. Ele é um produto do nosso trabalho. O professor detém a responsabilidade dentro da sala de aula, mas o estudante sai para o intervalo, faz projeto, tem horários para cumprir. Quem cobra isso é o corpo técnico como um todo. Eu, como servidor, tenho responsabilidade e compromisso com a formação do estudante do IFMS, pois ele é fruto do nosso trabalho.