ENTREVISTA
Tiago Tristão Artero
Tiago Tristão Artero é professor de educação física do IFMS há pouco mais de quatro meses. Aos 33 anos, casado, pai de quatro filhos, formou-se pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) em 2007 e, atualmente, é mestrando em Educação pela Universidad de la Empresa (UDE), no Uruguai.
Neste bate-papo, Tiago conta sobre sua experiência profissional antes de entrar no Instituto, as particularidades de ser professor em uma instituição de ensino técnico e seu trabalho com estudantes que apresentam dificuldades de aprendizagem. “O ser humano que aprende é o ser humano que se expressa”, opina o professor, que é especialista em Neuropsicopedagogia do Desenvolvimento Humano.
Entrevistado durante a edição 2016 dos Jogos do IFMS, evento realizado no final de julho, o professor do Campus Corumbá também fala sobre competitividade, as dificuldades em praticar atividades físicas numa cidade com condições climáticas como Corumbá e revela seus planos para o futuro na instituição.
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Todo professor de educação física gostava de esporte quando era criança? Como foi sua infância?
A maioria, sim. Eu nasci em Pirajuí, no interior de São Paulo, mas passei a minha infância em Mato Grosso do Sul. Morei em várias cidades do Estado, por conta da carreira do meu pai como delegado. A maior parte da minha adolescência eu passei em Aquidauana. Depois fui para Campo Grande, onde morei por uns 15 anos, e agora estou em Corumbá.
Como foi sua escolha em se tornar professor?
A faculdade de educação física me atraiu por ser mais dinâmica se comparada às outras, dinâmica no sentido de movimento mesmo. Eu não tinha a ideia inicial de ser professor. Durante a faculdade fiz estágios, trabalhei tanto em academia quanto em escolas, foi aí que me atraiu mais a área de educação. Depois que estudei as matérias relacionadas à parte pedagógica, à parte psicológica, do desenvolvimento humano e da psicomotricidade, aí que efetivamente eu entrei para a educação física voltada para essa área da educação.
E como foi essa trajetória profissional?
Eu me formei, estagiei em academias e, concomitante a isso, fui conhecendo a área da educação. Comecei a trabalhar com a educação na rede particular como professor de educação física. Depois de um tempo, comecei a atuar como psicopedagogo. Aí, eu me especializei e aí chegou um tempo em que a demanda na atuação de psicopedagogo era muito grande. Deixei de trabalhar como professor e fiquei trabalhando só como psicopedagogo por um bom tempo. Acabei me aprofundando mais nessa parte clínica, em parceria com psicólogo, fonoaudiólogo, psiquiatra, trabalhando com equipe multidisciplinar, em parceria com as escolas.
Atendia alunos que tinham dificuldades de aprendizagem, distúrbios ou alguma necessidade especial. É uma carência das escolas entender o funcionamento da memória e do desenvolvimento do indivíduo. Há uma carência entre os professores de todas as áreas e disciplinas de entender esse desenvolvimento para melhorar a atuação deles enquanto docentes, aí eu acabei organizando eventos e palestras voltados para essa parte. Acabei entrando mais ainda nessa parte da neurociência, da psicopedagogia e da neuropsicopedagogia, e isso acabou me levando para uma outra visão da educação física, como sendo algo bem complexo e mais importante do que eu pensava inicialmente.
A área da educação que trabalha com o corpo parece uma questão mais simples, biológica, mas não é, ela é bem profunda. Nesse sentido, trabalhei bastante tempo com professores passando esse conhecimento que o professor de educação física tem do corpo, da motricidade e do desenvolvimento dessa parte motora com a parte cognitiva. Passando isso para professores de outras áreas da rede particular, eu trazia um pouco desse conhecimento da educação física com o conhecimento da neurociência, do desenvolvimento humano.
Aí passei no concurso do IFMS, e agora estou tentando trazer todo aquele conhecimento que eu tinha da clínica, do desenvolvimento humano, que a gente desenvolve com os pacientes em um ambiente mais individualizado, trazer esse conhecimento para minha atuação docente no Instituto.
Você é professor do IFMS em Corumbá há pouco mais de quatro meses. Como foi essa entrada, já conhecia o Instituto?
Eu não conhecia o Instituto, conheci por intermédio do meu cunhado [João Massuda Junior, professor de Administração do Campus Campo Grande], que também trabalha no IFMS. O que me atraiu em relação à carreira de professor do Instituto foi a questão de eu poder trabalhar com projetos. A gente tem uma autonomia maior, porque nossa carga horária dá essa possibilidade de trabalhar com projetos, com estudos.
Como é dar aula de educação física, fazer esportes, numa cidade tão quente quanto Corumbá?
Corumbá tem uma condição climática bem distinta, bem singular. Os estudantes acabaram se adaptando um pouco a essa questão, mas prejudica muito. Mesmo eles que já estão acostumados, não conseguem treinar por períodos muito longos por conta do calor, mesmo em ambientes fechados. Apesar de a gente não ter estrutura ainda, nós fazemos parcerias com o município, e a gente consegue dar aulas práticas respeitando um pouco essa condição climática. Eu não consigo, por exemplo, dar aula prática pra uma turma depois das 9h30 da manhã. Tenho que dar aula no início da manhã ou no final da tarde. Quando o corpo entra num processo de desidratação, atrapalha bastante.
E como é trabalhar a educação física em uma instituição voltada à educação profissional, você vê alguma diferença?
A postura dos alunos é diferente. Como em outros países, o envolvimento em projetos é uma questão muito forte. Por exemplo, existem universidades norte-americanas que aceitam os alunos não por uma prova de múltipla escolha, mas por todo o histórico escolar. Durante o ensino médio também, em desenvolvimento de projetos, participação em eventos, esportivos e científicos, feiras... O Instituto Federal dá essa oportunidade, então eu me deparei com uma equipe de professores e com alunos que já têm essa vivência, de participação em feiras, congressos e tudo mais.
É bem legal porque, quando você vai ministrar uma aula, consegue, de fato, desenvolver neles o pensamento científico de maneira aplicada. O Instituto Federal promove essa habilidade. Já é uma preparação para que, lá na frente, quando ele for entrar na graduação, já tenha uma outra visão de sociedade. Quando você trabalha com projetos que tenham uma culminância social, você acaba olhando a sociedade, seus pares, as pessoas com quem você se relaciona, de maneira diferente, então é uma postura distinta às outras formas de ensino médio, e creio que seja bastante importante
A sua especialização é em Neuropsicopedagogia. Por que um professor de educação física resolve estudar essa área?
Pela questão da aprendizagem. Eu comecei a me questionar por que um aluno tem dificuldade de aprendizagem, um distúrbio, alguma necessidade especial. Necessariamente, eu passei pelo desenvolvimento psicomotor para entender por que um aluno aprende ou não, por que um aluno memoriza e outro não, os níveis de atenção, de memorização, de recuperação de lembrança daquilo que ele já memorizou, as estratégias de aprendizagem que existem, que são diferentes para cada disciplina. Creio que a educação física tem um papel muito importante em relação a isso, ao desenvolvimento da atenção, da memória, da concentração. Voltado a isso, julguei importante me aprofundar nesse conhecimento do cérebro, da neurociência, e acabou que esse conhecimento que teve como gancho inicial a educação física – porque é uma faculdade que nos proporciona conhecer o organismo, temos aulas de anatomia, de fisiologia –, acabei entendendo o desenvolvimento humano como um todo. Isso é importante para todos os profissionais que trabalhando com a educação.
A gente parte do pressuposto que todo ser humano é único, e que um professor, que tem que lidar com 30 alunos numa sala de aula, vai ter que entender que cada um tem uma particularidade. É isso?
Sim. Pensando na particularidade, é impossível o professor trabalhar todas elas durante uma aula, mas ele pode trabalhar de maneira significativa, relevante, de maneira que o aluno possa, durante o momento da aula, ter uma atuação mais ativa. Não estou entrando só na parte do Construtivismo, mas também no desenvolvimento da Teoria Crítica da Educação. É o aluno poder questionar, produzir durante a aula porque, pensando nesse processo de aprendizagem e memorização, o aluno que exerce um papel passivo, o processo de memória, de aprendizagem, não acontece. Esse aluno teria que chegar em casa, pegar o material dele pra fazer a tarefa, produzir, para que esse aprendizado fosse ativo, e muitos não fazem assim porque não tiveram isso durante a aula.
O aluno precisa exercer um papel ativo durante o horário de aula, porque o professor não vai dar uma palestra, ele vai ministrar a aula, com a participação do aluno, e essa participação não é só falada, é escrita, tem diversas formas de manifestação. O ser humano que aprende é o ser humano que se expressa, o ser humano que desenvolve a inteligência é o ser humano que pode falar, trocar ideia, organizar pensamentos, organizar uma frase lógica, poder expressar aquilo que ele está sentindo, o raciocínio que ele desenvolveu, o raciocínio lógico-matemático que está presente em todas as disciplinas, o desenvolvimento do vocabulário dele, da memória semântica, que também está presente em todas as disciplinas, mesmo na área de exatas, o aluno que aprende é esse. E esse aluno, conseguindo exercer um papel ativo durante a aula, se expressar, e conseguindo fazer isso também após a aula, nos projetos que ele vai desenvolver, sem necessariamente o professor estar ali mediando a todo momento, esse aluno, de fato, aprende. A gente vê, muitas vezes, alunos desmotivados, que no contra turno tentam estudar mas não conseguem, porque durante a aula não exerceram nenhum papel ativo naquele conhecimento, em qualquer uma das disciplinas. Gostaria que isso fosse trabalhado bastante pelos professores, independentemente de ser ensino técnico ou não.
Eu sei que a gente não vai alcançar a Finlândia, que consegue fazer um ensino interdisciplinar, transdisciplinar, porque são culturas diferentes e são formas de trabalho diferentes. Mas, a gente pode se aproximar de formas relevantes de atuação do docente, que tem conhecimento do desenvolvimento do indivíduo e de como ele aprende. Quando conseguirmos fazer essa transição, nós veremos alunos mais envolvidos, mais motivados – e a motivação está intimamente ligada ao processo de aprendizagem.
Neste sentido, se você pudesse dar um conselho para os outros professores do Instituto, qual seria?
Na permanência do professor, que é o horário do contra turno, o aluno não vai conseguir trabalhar dúvidas pontuais do conteúdo atual. Ele possui um histórico escolar, uma defasagem escolar. Se o professor conseguir identificar onde estão as falhas no histórico escolar desse aluno e trabalhar com isso... Nesse contra turno, o ideal é trabalhar mais num processo de resgate pedagógico.
Durante a aula, que os alunos possam produzir e ter interação com o conhecimento que aquele professor transmitir. Se durante o horário de aula o aluno conseguir fazer isso, num outro momento aqueles alunos que possuem altas habilidades ou que possuem facilidade, eles podem até aprofundar mais. Você conseguiu incluir tanto aqueles que têm dificuldade, quanto aqueles que estão num nível mediano e aqueles que se destacam. É o que a Declaração de Salamanca trouxe, nesse processo de inclusão, e é o que os direitos humanos professam.
O que acontece é que, às vezes, a gente trabalha com alunos do século XXI, professores do século XX e um sistema do século XIX. Quem falou isso foi o professor Pacheco, da Escola da Ponte. Concordo, em termos, com o método dele, mas creio que cada professor pode desenvolver, de forma particular. Não existe uma forma única, especial de trabalhar. Que o professor olhe para o histórico do aluno e para o histórico da educação, entenda as bases psicológicas da aprendizagem e como elas podem auxiliar no desenvolvimento do indivíduo.
No Campus Corumbá, você desenvolve um trabalho de atendimento a estudantes com dificuldades na aprendizagem. Como funciona?
É esse resgate pedagógico. Acabo aplicando os conhecimentos da psicopedagogia, mas de uma maneira aplicada às disciplinas escolares. Então se eu percebo que um aluno tem alguma disgrafia, disortografia, sintomas de dislexia, de discalculia, tento entender o histórico escolar dele, perceber onde estão as falhas, defasagens, e refaço esse percurso com ele, da base escolar que ele deveria ter desenvolvido. Quando refaço esse percurso, estou desenvolvendo o cérebro dele, a memória, a memória semântica, o raciocínio lógico-matemático, métodos de estudo, estratégias de aprendizagem. Esse é o trabalho que faço, é psicopedagógico, mas pode ser facilmente adaptável para que um professor possa trabalhar isso na área dele também.
Trabalho em pequenos grupos de alunos, em formato de curso de estratégia de aprendizagem, e tem sido eficaz, no sentido de o aluno sentir um pouco mais de autonomia na hora que for olhar para o conteúdo, de desenvolver o autodidatismo, poder olhar o material didático que está sendo desenvolvido em sala de aula e ele se apropriar de uma forma um pouco mais relevante, para que não seja algo muito distante daquilo que o raciocínio, que o cérebro dele pode alcançar.
Esse trabalho é feito com alunos do técnico integrado?
Sim, alunos do técnico integrado, indicados pelos professores, que apresentam dificuldades de aprendizagem, independente se essa dificuldade é orgânica, social ou emocional. A gente acaba não fazendo diagnósticos lá, precisaria de uma outra equipe para fazer isso.
Trabalho em pequenos grupos no horário de contra turno dos alunos. Atualmente, são duas vezes por semana, sessões de uma hora e meia. A primeira etapa foi trimestral, mas o ideal é que ele seja feito por semestre. Após um semestre, que eu possa manter o aluno no projeto ou liberá-lo, quando ele já adquiriu uma certa independência para poder estudar sozinho. De fato, aqueles que possuem algum distúrbio de aprendizagem mesmo teriam que ter esse atendimento. Possivelmente, o Napne [Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas] ou o setor da pedagogia poderia desenvolver, para a gente incluir esses alunos.
Esses são os alunos que desistem do curso, que reprovam, são mais vulneráveis socialmente. É a eles que a gente precisa dar uma atenção especial nos nossos projetos e naquilo que a gente faz. Nesse sentido, tenho outros projetos integrados a esse.
Quais seriam?
São encontros semanais com os pais, nos quais, mesmo eles não dominando português, matemática, geografia, história, eu trabalho com eles formas de auxiliar os filhos no momento da aprendizagem, seja controlando o próprio ambiente de aprendizagem, auxiliando o filho dele no desenvolvimento da atenção, dos horários, da organização. Essa parte de metacognição, do aluno poder refletir sobre o próprio aprendizado, é algo que tanto os professores quanto a família podem auxiliar, independente se o pai é analfabeto ou não.
Você está em Campo Grande à frente da delegação do Campus Corumbá nos Jogos do IFMS. Como é a competitividade entre os estudantes, principalmente aqui? Existe o lado positivo da competitividade?
Sim. Eu sempre procuro ter uma abordagem tanto do desenvolvimento do cérebro deles quanto cultural, social, porque eles foram acostumados a isso, a serem competitivos. Muitas vezes, ele não faz aquilo porque vai se desenvolver, vai aprender mais, vai se superar, vai poder trabalhar em equipe, mas por uma questão cultural ele acaba fazendo porque quer ser melhor que o outro. Essa é uma cultura que a gente quer deixar um pouco de lado. É algo que existe entre os alunos. Se for bem trabalho, é algo saudável, mas o que eles trazem do senso comum, da mídia, não é saudável, então acabam se prejudicando e prejudicando os colegas também.
E quais os planos para o IFMS, algum outro projeto ou ação na cabeça?
Eu gostaria de trabalhar essa parte de estratégia de aprendizagem com os professores também, as bases de desenvolvimento, que elas sejam transmitidas aos professores de várias disciplinas. Também quero continuar atendendo os alunos que têm dificuldade de aprendizagem, que necessitam de inclusão, trabalhar com os alunos que têm altas habilidades, que também necessitam de inclusão. Eles também são excluídos, não conseguem desenvolver o potencial deles de uma forma plena, são nossos “Einstens” que estão perdidos por aí. Trabalhar com esse público de inclusão, esse é o foco dentro daquilo que desenvolvi de conhecimento.